Cresce presença de crianças palestinas em prisões de Israel



Dividindo uma cela em um presídio israelense, as meninas palestinas brincavam de bola. Elas tinham aulas à tarde, e às vezes uma detenta árabe-israelense conhecida como tia Lina fazia tranças nos cabelos delas.
À noite, Dima al-Wawi, 12, detida em fevereiro com uma faca na entrada de um assentamento israelense na Cisjordânia ocupada, cantava hinos nacionalistas palestinos com Istabraq Noor, 14, acusada de tentar se infiltrar em um assentamento diferente, em outubro, para atacar moradores judeus.

"Mãe, não chorei nenhuma vez!" Dima se gabou, quando foi libertada depois de cumprir metade de sua pena de quatro meses e meio.

"Nem de saudade de nós?", perguntou sua mãe, Sabha, 47. "Só debaixo das cobertas, à noite", respondeu Dima.
Em setembro passado, havia apenas um caso de menina palestina detida em Israel. No entanto, pouco antes de Dima ser libertada, em abril, já havia 12 em situação semelhante, parte do aumento de menores palestinos encarcerados em meio à onda de violência em que 30 israelenses foram mortos nos últimos sete meses.

Assaf Liberati, porta-voz do serviço carcerário, disse que o número de detentos palestinos com menos de 18 anos mais que dobrou, passando de 170 para 430 desde 1º de outubro, quando começou a onda de ataques com facadas, tiros e veículos. Desses detentos 103 tinham 16 anos ou menos, contra 32 antes de outubro. "É o maior número que já tivemos", disse Liberati.

REPRESSÃO A JOVENS

O aumento reflete a repressão israelense mais ampla a jovens palestinos, em meio a uma onda de ataques em que quase metade dos suspeitos são adolescentes. Os ataques reacenderam um debate em relação a como o sistema israelense de Justiça militar, que processa palestinos da Cisjordânia, difere dos tribunais que julgam cidadãos israelenses e residentes palestinos de Jerusalém, e, especialmente, sobre as diferenças no tratamento dado a infratores muito jovens.

"Ninguém duvida do que Dima fez", disse Sari Michaeli, do grupo israelense de defesa dos direitos humanos B'tselem, "mas, se fosse uma criança israelense, a lei não permitiria que uma criança tão jovem fosse sentenciada a uma pena de prisão real."

Rina Castelnuovo - 24.abr.2016/The New York Times
Dima al-Wawi, 12, foi recebida como uma heroína após ser libertada de uma prisão israelense, em abril
Dima al-Wawi, 12, foi recebida como uma heroína após ser libertada de uma prisão israelense, em abril



Israel já implementou algumas mudanças desde 2013, quando um relatório da Unicef descreveu abusos "amplos, sistemáticos e institucionalizados" cometidos no sistema de tribunais militares.

A idade em que suspeitos podem ser processados como adultos passou dos 16 para os 18 anos. Além disso, foi criado um tribunal separado para jovens, e o tempo que menores podem ser detidos sem serem apresentados diante de um juiz foi reduzido de 96 horas para 48 horas, no caso de infratores de 15 anos, e para 24 horas no caso de pessoas de até 14 anos.

Em alguns casos, advogados palestinos conseguiram persuadir juízes a enviar detentos menores de idade a abrigos para jovens. Essa possibilidade foi proposta para Dima, mas rejeitada por seus pais. "Minha filha tem apenas 12 anos. Como ela poderia ir para um lugar assim?", perguntou sua mãe em entrevista. "Foi uma decisão difícil, mas dissemos 'ok, ponham-na na prisão'. Pelo menos assim sabíamos que ela sairia."

Em relatório publicado em abril, o grupo Defesa de Crianças Internacional-Palestina, que acompanha essa questão há anos, disse que os suspeitos da Cisjordânia, em sua maioria, ainda estão sendo interrogados a sós, enfrentam maus-tratos físicos e não são informados sobre seus direitos.

As autoridades israelenses dizem que 37% dos palestinos que lançaram ou tentaram lançar ataques entre 1º de outubro e 10 de fevereiro tinham entre 16 e 20 anos, enquanto 10% tinham até 15 anos.

O porta-voz do Ministério do Exterior de Israel, Emmanuel Nahshon, disse que "a gravidades dos crimes e sua natureza, em muitos casos ideologicamente motivada, gera um conjunto singular de exigências do sistema de justiça criminal."

"A pergunta é por que tantos menores palestinos estão sendo enviados para assassinar israelenses", falou. "A resposta é que eles estão sofrendo lavagem cerebral por parte de seus líderes."

REABILITAÇÃO, NÃO CASTIGO

O presidente Mahmoud Abbas, da Autoridade Palestina, disse em entrevista recente à televisão israelense que seu governo está tentando coibir a violência, com forças de segurança entrando nas escolas para fazer buscas de armas. "Em uma escola encontramos 70 meninos e meninas que portavam facas", disse Abbas. Segundo ele, os policiais disseram aos estudantes: "Isso é errado. Não queremos que vocês matem e sejam mortos. Queremos que vivam e que o outro lado também viva."

No entanto, com seu rival Hamas, que encoraja a violência abertamente, o partido Fatah, de Abbas, compareceu em força para receber Dima como heroína quando ela voltou para casa.


Rina Castelnuovo - 24.abr.2016/The New York Times
Dima al-Wawi, 12, ao lado de sua mãe, checa sua página no Facebook, após ser libertada de prisão
Dima al-Wawi, 12, ao lado de sua mãe, checa sua página no Facebook, após ser libertada de prisão



O advogado de Dima, Abir Baker, atribuiu os ataques principalmente à ocupação israelense, mas disse que muitos dos menores envolvidos têm outros problemas, argumentando que eles precisam de reabilitação, não castigos.

Tome-se o caso de Salwa Taqatqa, 13, uma das colegas de Dima na prisão. Em 23 de março, ela tentou esfaquear um israelense com uma lâmina de 18 centímetros. Sua mãe, Amna, disse que Salwa é uma garota problemática que gosta de brincar como se fosse menino, está repetindo a quinta série, tem medo do escuro e ainda sofre de enurese noturna.

Dima, que completou 12 anos em novembro, era hiperativa e estava tendo problemas na escola, mas sua mãe disse que a família rejeitou o conselho de uma orientadora de levá-la a um psiquiatra, temendo que os vizinhos achassem que sua filha estava louca.

A menina ficou obcecada pelos agressores palestinos que viu na televisão Al Aqsa, operada pelo grupo militante islâmico Hamas. Ela decorou como e quando cada um foi morto por forças de Israel (mais de 200 palestinos foram mortos a tiros desde 1º de outubro, a maioria deles durante ataques, tentativas de ataques ou suspeitas de ataque).

No dia 9 de fevereiro, Dima cabulou aula, escondeu uma faca da cozinha de sua casa sob sua blusa e andou de sua casa na vila de Halhoul até o assentamento de Karmi Tzur, nas proximidades. Ela parou na entrada, esperando que um guarda a revistasse para que ela pudesse esfaqueá-lo de perto. O guarda mandou que ela se sentasse.

Um morador do assentamento, armado com revólver, obrigou Dima a tirar o objeto, visível por baixo de sua blusa, segundo documentos do tribunal fornecidos pela organização B'tselem, que acompanhou o caso de perto. Dima jogou a faca para longe e foi levada a uma delegacia de polícia israelense.

INTERROGATÓRIO
Ela disse que vários homens e mulheres a interrogaram antes de a polícia telefonar a seus pais, nessa tarde. Durante o interrogatório, ela sentiu sua calcinha se encher de sangue e entrou em pânico.

Seu pai, Ismail, disse que não foi autorizado a ver sua filha na delegacia. Ele próprio foi interrogado; depois, foi chamado de lado por uma policial, que lhe falou da hemorragia. A mãe de Dima contou que passou dias angustiada, sem saber se o sangramento foi provocado por algum trauma sofrido durante a detenção ou se era a primeira menstruação da menina, hipótese que acabou sendo confirmada.

Dima e seus pais contaram que durante seis audiências a que ela foi levada em um tribunal militar, suas pernas ficaram acorrentadas e ela não foi autorizada a tocar em seus pais. Dima se recorda de uma policial gentil chamada Zima que "colocava as correntes por cima das minhas calças, para não me machucar".

Em 18 de fevereiro, Dima se confessou culpada de tentativa de homicídio e foi sentenciada a quatro meses e meio de prisão. Foi libertada antes do término da pena "por ser muito jovem", segundo porta-voz do sistema carcerário israelense.

Al-Wawi teve que fazer pedidos especiais para entrar em Israel para visitar sua filha na prisão, onde só pôde se comunicar com ela através de uma barreira de plástico, usando telefones. Uma das consequências da prisão dela foi que seu pai perdeu sua autorização para trabalhar em Israel.

CELEBRIDADE LOCAL

Hoje Dima é uma celebridade local. Ela foi recebida de volta no domingo com uma cerimônia no gabinete do governador na cidade de Tulkarm, na Cisjordânia. Em sua casa, em Halhoul, homens do Fatah hastearam bandeiras, e representantes do Hamas soltaram balões verdes, a cor de sua organização, enquanto um comboio de carros buzinando, algo geralmente reservado para casamentos, percorreu a cidade agitando bandeiras do partido.

Ao longo do caminho, Dima, segurando um iPad, olhou fotos dela própria postadas em sites de mídia social. Quando ela disse a um jornalista que foi ao assentamento para matar judeus "porque eu queria ser mártir", sua mãe observou: "Você dizia que queria ser agrônoma". "Mãe!", reclamou Dima. "Mudei de ideia!"





Fonte: Uol 02.05.2016
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